Gaigaia Escritos
sábado, 20 de junho de 2015
sábado, 30 de maio de 2015
A jornada de Sein (1)
Essa é a história da jornada de Sein, uni filhote de lobi, nascidi
na névoa, procurante de um nome todo seu.
Foi numa terra, muito longe. Onde a poeira da noite é violeta, as
estrelas zumbem como vaga-lumes cantores (mesmo de dia) e o
entardecer tem gosto de amora. Nesta terra, quando um bicho já está
grandinho e faz sua primeira muda de pele, ele solta seu primeiro
canto em direção aos céus. Seja para o sol do dia, seja para a lua
noturna. É um impulso que nasce do fundo de sua alma. Seu coração
bate rápido, seu estômago se embrulha em rebuliço, sua boca se
afina em sorrisos abobalhados. Então, com a voz afiada na ponta da
língua, canta para o céu que ama.
Mas isso não aconteceu com Sein. Nem quando observou a pelagem de seu
corpo mudar pela primeira vez, sentiu seu coração pulsar mais
rápido. Nem quando percebeu seus ossos estalando e crescendo, sentiu
seu estômago se embrulhar. Nem quando pôs-se de pé, em suas quatro
patas, na grande colina, sentiu sua boca afinar-se em sorrisos.
Apenas permaneceu lá, dia a dia, de pé e de pena. Os animais mais
velhos - os outros lobos e as outras lobas da alcateia – tiveram
que acalmar Sein, que tremia de embaraço. Mas Sein só parou de
tremer quando quando Lavínia intercedeu, com seu colar prateado
chocalhando no pescoço:
“Lá vem Lavínia, lá vem Lavínia!”, uivaram lobos do sol e
lobas da lua. “A anciã de cristais, a que caminha entre montanhas,
a que atravessa os rios vazantes em temporais e tempestades”.
Lavínia deixou dentes opalinos aparecerem, e deitou um olhar
carinhoso sobre os olhos amedrontados de Sein:
“Por que vejo uma nuvem de raios espalhada em seus olhos, filhote?
Por que tantas águas geladas escapam em ondas de seus gestos?”.
“Pois não canto, Lavínia grande. Não sinto o peito abrir, nem
sinto a voz brilhar. Não vejo no sol um irmão, nem vejo na lua uma
irmã. Não tem meu reflexo no céu da tarde, nem meu nome no zumbir
das estrelas. De que outro modo poderia então estar meus olhos,
senão em tempestade? De que outra forma, senão em ondas e ressaca,
poderiam estar meus gestos? Nesse mundo não encaixo no dia e na
noite – não faço parte do céu, não tenho forma no espaço”.
“Não esqueça o tempo, filhote. Não esqueça o tempo!”, riu a
antiga Lavínia.
“O tempo? Mas como assim? De que forma não deveria esquecer o
tempo?”.
“Por você ser filhote dele, do tempo, do vento, do ar. Pois quem
não canta para o espaço, para a lua e para o sol, é filhote da
névoa e do nevoeiro”.
“Mas, sem poder ter meu lugar no céu, como poderei ter meu nome?
Como o poderei apontar sem ter um espaço onde me apoiar?”.
“Oh, filhote”, a prata chocalhava com as palavras da antiga
Lavínia, “E o que tem num nome? Um corredor de rostos, um conjunto
de palavras e gestos, uma casa escrita na areia? A tentativa de
encaixar num molde de concreto um sopro de ar? O que tem num nome,
filhote, senão somente vento? Que nasce no peito dos bichos e se
desfaz no insustentável do tempo?”.
Sein despendurou o olhar dos olhos de Lavínia, tombando o queixo em
direção ao chão.
“Eu não entendo”, confessou num chiado. “Não terei então um
lugar para mim?”.
“Disso, eu não tenho a resposta – afinal, que resposta existe
para além de si?”, e Lavínia balançou a cauda indagando
silenciosamente o céu avermelhado do entardecer. “Só posso dizer
que seu coração bate para além do espaço, filhote. Para além do
sol e da lua. Mas, se ainda fizer questão tamanha de querer um nome,
uma marca, uma forma, pode ficar no terreno da alcateia e escolher
abraçar o sol ou a lua. No final, a escolha, queridi, é sua”.
Sein ergueu o focinho: “Por mais que me seja acolhedora a ideia,
não poderia pregar em mim um sorriso que não seja sincero. Agradeço
ao sol pelo calor, e à lua pela palavra. Mas se meu canto não vai
para o céu, então cantarei para a terra. Até, na terra, encontrar
um nome todo meu”.
“Então, filhote Sein, carregará consigo o nome do vento, a marca
do ar. Caminhará na bruma, sem forma e sem corpo, para além do
território da alcateia. Desejo a você a leveza das nuvens e a
certeza das estações. E tenho certeza que logo ouviremos seu uivo
ecoando seu nome nos quatro cantos do mundo”.
E assim, i filhote Sein, nascidi na névoa, começou sua jornada.
quinta-feira, 14 de maio de 2015
Poema 10 - Aleategoria
Uma faca na mão é
chave e fuga
Quantos litros compõe
um grito?
Quantas matrizes de
vermelho tem o choro?
quinta-feira, 7 de maio de 2015
Poema 9 - Olá, Tamanduá
Olá Tamanduá!
ou
Abro a porta do
armário
Surpresa
Olá, tamanduá
Como vai você?
Sozinho, aí no armário
Tão escuro e solitário
Em meio a livros,
bolsas e pastas
Perdido entre as aspas
Esquecido nos restelhos
Com poeira até os
joelhos
sábado, 27 de dezembro de 2014
Animália – Viveiro dos pássaros (2), os grupos se encontram
O metrô estava lotado. Era a hora que muitos bichos saíam de seus
monótonos trabalhos e se preparavam para deitar nas cores da noite.
É verdade, alguns deles só queriam mesmo era voltar para suas
respectivas tocas e descansar. Mas era inegável que em muitos
daqueles olhos cansados, daquelas compleições exaustas e rostos
abatidos, ainda escondia-se aquela vontade de rasgar das roupas
formais, deixar livre as caudas, asas e bigodes para então cair de
cabeça naquela noite que começava.
Animalia - O viveiro dos Pássaros (1), o trajeto
A campainha tocou e a andorinha Enna levantou-se do sofá da sala
para ir atender a porta. Do outro lado, a lagartixa Plipka
mostrava-se leve e saltitante, soltando um alegre 'Oii'.
'Chegou cedo', comentou Enna, convidando a amiga para entrar no
apartamento, 'Pode ir se sentando, ainda não estamos prontos'.
'Ah...', a lagartixa soltou um muxoxo, 'Mas quanto antes chegarmos no
Viveiro, melhor! Já liguei para Farel, e ele disse que está a
caminho, junto com o resto do pessoal. Se demorarmos muito, vamos
acabar perdendo as apresentações!'.
sexta-feira, 26 de dezembro de 2014
Animalia – O cobra e o coelho
'O que rima com vermelho?', perguntou o jovite coelho, suas longas
pernas esticadas no chão. Ele escrevia num caderninho algumas linhas
de texto, parecendo ser o rascunho de um poema.
'Ora, coelho!', respondeu o cobra, enquanto passava os dedos entre a
bunda do coelho, sorrindo malvado. O pequeno deu um pinote,
virando-se sobressaltado para trás. Seus olhos avermelhados
encontraram os do cobra, sentidos. 'Não faça isso do nada, eu não
gosto'.
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